terça-feira, 17 de dezembro de 2013

André Kertèsz o espetacular fracassado

"The moment always dictates in my work…Everybody can look, but they don't necessarily see… I see a situation and I know that it's right."

André Kertèsz



O húngaro André Kertèsz - que dizia ja ter nascido fotógrafo- tem uma das mais ricas biografias associada a fotografia, e também das mais conflitantes. Autodidata virou referência em mais de uma área da arte fotográfica e da mesma forma com que fez parte da elite vanguardista da França, em algum momento também  precisou vender seus trabalhos a custo da sobrevivência. Sua história e estilos são divididos em  períodos históricos, geográficos e políticos distintos, desde a Hungria - sua terra natal, a passagem pela  efervescente cena francesa do entreguerras até o exílio em Nova Iorque, cidade que nunca o satisfez, mas onde morreu aos 91 anos como cidadão americano. 



"O momento geralmente orienta meu trabalho…Qualquer um pode ver, mas  não veem necessariamente… Eu vejo uma situação e sei que é a correta."

Sua frase mais representativa expressa o olhar transparente porém bem resolvido transmitidos por suas imagens. "O que sinto é o que faço", diz, e permitindo-se passar por várias correntes como o surrealismo, construtivismo ou humanismo - quase sempre à  frente de todos eles -  faz de  seu projeto artístico algo que não consegue ser classificado, e cuja única coerência básica é a maturidade do olhar.

Estrangeiro em quase todos os espaços, foi perseguido ora por ser judeu na França, ora por ser de um país inimigo na América durante a Segunda Guerra. Chegou a ser proibido de fotografar as ruas de Nova Iorque e de publicar seus trabalhos, uma contradição frente  as suas maravilhosas imagens do cotidiano europeu, tanto de sua infância em Budapeste onde já mostrava precoce entendimento poético e social, como do universo dos artistas, cafés, mulheres, crianças, sombras e objetos  parisienses. 

Nos Estados Unidos entre outras atividades foi fotógrafo de moda, mas somente após a naturalização passou a poder publicar, sem censuras, fotos mais pessoais, no entanto, os 15 anos em que   trabalhou para a revista Casa e Jardim (o que lhe permitiu  algum conforto financeiro) mantiveram sua liberdade criativa inibida.


Foi desconhecido durante grande parte de sua carreira e raramente fora citado por seu trabalho, não na proporção de própria busca pelo reconhecimento, aceitação e fama. Nem sempre seus estilos foram entendidos pela crítica, mesmo em sua fase mais pessoal como em as "distorções" (fotos de nus frente a espelhos curvos de 1933 consideradas com  truques e efeitos exagerados para os padrões da época).


Para Kertész o tempo passado nos Estados Unidos foi de desfeitas e decepções. Um grande mestre  que teve que contentar-se com pequenas demonstrações de reconhecimento. Raramente recebeu más críticas, mas sofreu pela falta delas. Sua visão foi particular, sutil, doce e humanista mas foi  tratado com indiferença. Vivia da lembrança do passado de infância, um sentimento aprofundado também por ter perdido a maioria dos seus registros anteriores. 
Havia uma maleta cheia de negativos deixados a uma mulher na França, quando estourou a guerra, ambos, mulher e negativos, sumiram sem vestígios. Porém em 1963 milagrosamente eles são reencontrados, e ali fotos deste período. Antes de morrer, querendo salvar seu trabalho, doou seu acervo ao Estado Francês.



Kertész sem estar preso a algum pensamento político mais profundo registrou a simplicidade da vida,  e com sentimento nostálgico e íntimo deu um sentido atemporal a sua arte, e quem sabe por isso, e  inevitavelmente por isso, seu reconhecimento tenha sido em outro tempo, no tempo após a morte. Sua fotografia combina com sua história, com as  vivências e com a história da própria fotografia. Tão complexa e perfeita que o real se funde com o ficcional permitindo ao gênio ter-se acreditado como  um fracassado.


Por Marcelo Freda Soares

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Walker Evans - Metrô de NY - um fotógrafo invisível

Diferente do invasivo Garry Winogrand com sua lente grande angular e agitação que o aproximavam dos elementos a serem registrados, alguns fotógrafos urbanos se organizam justamente para  não serem percebidos.

No primeiro caso o fotógrafo pode voluntariamente, ou não, estimular reações de desconforto, surpresa ou irritabilidade, interferindo ou até fazendo parte da cena. Os anônimos procuram a  "alma" pela imagem capturando do objeto a distração ou a intenção e, quem sabe, até seus pensamentos. Ambas posturas caracterizam estilos, mas é a invisibilidade que melhor traduz  o sentido daquele momento.

Há fotógrafos que transitam entre os  dois modos mas alguns são evidentemente espectadores,  na acepção de um flâneur que não precisa ser percebido, caracterizam-se como  "aqueles que podem estar em todos os lugares e ao mesmo tempo em lugar algum".

Cega  - Paul Strand 1916
Existem muitas maneiras de ser discreto, e quando acreditamos ser novidade poder  fotografar enquanto fingimos falar ao celular, por exemplo, devíamos saber que algo semelhante, porém de forma mais criativa, complexa e elaborada, já era feito desde os primórdios da fotografia de rua. 

Paul Strand  foi pioneiro neste subterfúgio, e justificava que somente iludindo as pessoas é que poderia lhes ser fiel -"Eu sentia que um fotógrafo poderia capturar uma característica essencial se a pessoa não soubesse que estava sendo fotografada." - comentava. Sua mais famosa fotografia, "Cega" - por não poder sequer se ver fotografada -  é  representação máxima desta metáfora. Strand também usou uma engenhoca onde  uma lente falsa fingia ser a frente de uma grande câmera enquanto a verdadeira - que fazia o registro de fato - ficava ao lado e escondida sob uma manga do seu casaco.

Nesta linha um dos projetos mais conhecidos é o das  Fotografias do Metrô de NY por Walker Evans (1938 a 1941). A época já era possível carregar máquinas menores e eficientes para fotos de rua em dias iluminados, mas não para dentro de um  trem trepidante e com má iluminação, além disso era proibido fazer fotos dentro deles sem autorização prévia da polícia, mas  Evans, com uma Contax 35mm, fotografou por muito tempo passageiros sem que eles soubessem. A proposta era a de que pessoas apareceriam por acaso na frente de uma câmera fixa e impessoal sendo registradas sem qualquer intervenção humana. A máquina  (diafragma totalmente aberto numa velocidade de 1/50 segundos) com as partes cromadas pintadas de preto, ficava escondida sob o casaco de onde um cabo de disparador corria pela manga onde ele se firmava e, então, sem visualização, batia a fotografia. Era parte do projeto registrar as cegas e somente na revelação corrigir composição e exposição.
Nestas Ewans foi um fotógrafo invisível, mas não suas imagens, intrigantes até hoje.





Por Marcelo Freda Soares 




quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Garry Winogrand - o street photographer que só queria ser fotógrafo.

Garry Winogrand foi conhecido por ter traçado a América do Norte de 1960. Ele disparou mais de 5 milhões de fotografias em sua carreira, talvez o mais profícuo de seu tempo. Tenho particular identificação com suas fotografias de rua -termo que ele odiava se dizendo apenas fotógrafo, tanto pelos flagrantes, como pela espontaneidade como registra suas imagens. Embora distantes no tempo, em  mais de uma situação cruzei o meu olhar com suas fotos.


Há um tempo li um artigo em Eric Kim street photography sobre as  "10 coisas que Garry Winogrand poderia  ensinar a respeito de street photography" e apesar de não concordar com tudo, compartilho este resumo que traduzi livremente. 

Observação: os comentários do texto em primeira pessoa  são do  Eric:

1. Fotografe muito.
 Winogrand disparava muito e estava sempre nas ruas. Pessoas o descrevem como sendo inquieto, e sempre agitando em torno de seu assento (mesmo enquanto estivesse sentado ) . Ele tinha um desejo insaciável de estar fora de casa , fotografando a vida ao seu redor. Seu consumo de filmes era enorme.
Certa vez ele disse:
" Em caso de dúvida, clique, sempre certifico-me de ter pelo menos 2-5 disparos de uma cena que vejo (porque uma mudança sutil do gesto, posição, ou as pessoas no fundo podem mudar em uma fração de um segundo o sentido da foto). Se você também estudar  fotógrafos muito famosos e suas fotografia , verá que eles não apenas disparam quando vêem " o momento decisivo ".

2.Não hesite e siga sua intuição
Hesitação é uma das coisas que mais mata o potencial de grandes fotografias de rua. Podemos ver uma grande cena se desenrolar diante dos nossos olhos,  mas se hesitarmos por um motivo ou outro (a pessoa está muito longe, eles podem ficar não gostar, eu não quero ser desrespeitoso, etc.) o momento esta perdido .

3.Sorria ao fotografar nas ruas
Winogrand trabalhou com uma lente 28mm a maior parte do tempo o que significa que ele tinha que estar sempre perto de seu objetivo, portanto ele não era Henri Cartier-Bresson tentando ser invisível mas sim parte da ação que registrava.
Mason Resnick conta  sobre suas experiências assistindo Winogrand fotografando nas ruas :
" Por incrível que pareça, as pessoas não reagem quando ele os fotografa. Surpreendeu-me porque Winogrand não faz esforço para esconder o fato de que esta  usando as pessoas para suas fotos. Muito poucos realmente percebiam e  ninguém parecia irritado. Winogrand quando  surpreendia seus fotografados já estava  sorrindo ou acenando para eles. Era como se sua câmera fosse secundária e o principal objetivo era comunicar-se e fazer um contato rápido e pessoal com as pessoas enquanto caminhavam."
 4. Use o visor
 Esta diz respeito a sempre que possível usar o visor da câmera para ter controle sobre composição e enquadramento.

5. Não corte
Esta é uma opinião compartilhada com  Henri Cartier-Bresson. Winogrand fazia fotos boas e ruins. Estudando suas seleções e tentando adivinhar sua lógica  eu  (Eric Kim) finalmente percebi que quando a fotografia trazia a  mensagem intuitiva para algo visual, inexplicável em palavras, ele gostava. Se apenas uma parte da foto funcionava, não tinha sido boa o suficiente.

O corte estava descartado - disse-nos para filmar full-frame e Winogrand disse-nos para e confiar em nossas nossas escolhas, mesmo que ninguém concordasse com elas.

Embora o corte pode ser uma grande ferramenta para melhorar as suas fotografias, ele também pode ser outra muleta. Eu costumava cortar um pouco para as minhas fotografias de rua , no entanto, isto me levar a ter a mentalidade de não considerar o correto das fotos " na câmera " então agora penso: " Se o enquadramento não é bom, ele sempre pode surgir mais tarde.

Melhor tentar obter o enquadramento certo na câmera - e mais uma vez que forçá-lo a " dançar ao redor do objeto " até conseguir uma foto mais coerente. Em vez de fotografar pessoas contra fundos de distração,  encorajá-lo a andar ao redor deles, tirar uma fotografia deles atrás de um fundo mais simples ( que é menos perturbador ) . Também é interessante chegar mais perto de nossos assuntos para enquadrá-los melhor, ao invés de apenas cortar parte do quadro.

6. Afaste-se emocionalmente de suas imagens
Winogrand disse a famosa frase : “Sometimes photographers mistake emotion for what makes a great street photograph.”.
Ele nunca revelava um  filme logo depois de fotografá-lo. Ele deliberadamente esperava um ou dois anos quando não teria praticamente nenhuma memória do ato de fazer aquela  imagem individual.
Isso, segundo ele, tornou mais fácil para se  aproximar de seus negativos de forma mais crítica. "Se eu estava de bom humor quando eu estava fotografando um dia e em seguida revelasse o filme poderia escolher uma foto por lembrar o quão bom me senti quando a registrei, não necessariamente porque era uma grande foto."

7. Olhe grandes fotógrafos e fotografias
O fotógrafo não vive num vazio, nem Winogrand. Ele era fã de seus contemporâneos e antecessores.
Veja o que acontece quando o trabalho alheio ressoa com o seu, como obter pedaços e sintetizá-lo com sua própria fotografia, seja pelos  assuntos, ou enquadramentos,  ângulos  ou determinadas técnicas que usam.

É perigoso para os fotógrafos de rua colocarem-se em uma bolha, e não serem  influenciados por qualquer outro grande trabalho.
" Você é o que come" então consuma toneladas de bons livros de fotografia, visite  blogs de fotografia de rua e visite exposições e bibliotecas locais .

8. Focar na forma e conteúdo
Mais duas frases dele: "Cada fotografia é uma batalha de forma contra o conteúdo " e "A grande fotografia esta sempre à beira do fracasso. "

Forma e conteúdo são duas chaves para uma memorável foto de rua. "Forma" é composição, enquadramento, aspectos técnicos de uma fotografia."Conteúdo" é o que esta realmente acontecendo naquele registro seja um menino segurando garrafas, um homem através de um olho mágico ou um casal de mãos dadas. Precisamos das duas coisas para tornar uma foto memorável mas raramente isso ocorre em uma fotografia de rua. Algumas fotos podem ser classificadas como "talvez fotos" quando apresentam grande conteúdo em fraca forma ou o contrário, eu tenho várias pastas assim. Acho que isso é o que Winogrand quis dizer quando afirmou que " A grande fotografia esta sempre à beira do fracasso. " E há muitas coisas s que podem fazer nossas fotografias falhar. Mas se você tiver sorte  e dedicação pode conseguir um quadro bem equilibrado e com conteúdo interessante e então obter uma grande fotografia de rua.

9. Começar se inspirando fora da fotografia
Resposta dele a pergunta sobre o que lhe inspira: "Consumir arte, livros, música, pintura, escultura e as coisas fora de fotografia de rua ajudam a obter um novo ângulo na sua visão fotográfica.
Por exemplo Sebastião Salgado, brasileiro, é um dos mais influentes fotógrafos documentais sociais e fotojornalistas de todos os tempos mas começou sua carreira como economista no entanto, depois de precisar  ir aos locais de trabalho em pessoa  optou por abandonar economia ( muito focados em teoria ) e escolheu seguir a fotografia para mostrar mais vividamente as condições de vida e trabalho de pessoas em todo o mundo . Salgado aplicou lindamente a experiência de ser economista  a fotografia.
Pense em como suas experiências e interesses  pessoais influenciam a sua fotografia de rua. Isso vai leva-lo a  descobrir uma voz muito mais original e ajudar a criar fotografias que ressoam quem você é como pessoa.

10. Ame viver
Num livro retrospectiva  John Szarkowski ex-curador do MOMA escreveu uma bela biografia da de Garry Winogrand.
Uma das coisas que mais se destacaram foi a conclusão, em que Szarkowski discute a confusão que as pessoas tinham sobre Winogrand -por que ele fazia compulsivamente tantas fotografias se ele sabia que não tão poucos iriam vê-las.

Szarkowski foi eloquente mostrando que Winogrand estava menos interessado na fotografia e mais na captura do que estava vivendo.

Eu acho que como fotógrafos de rua podemos aprender a sabedoria que Szarkowski demonstrou sobre como  Winogrand levava sua vida.

Como fotógrafos de rua devemos nos esforçar para tirar fotografias de rua memoráveis ​​de pessoas, da sociedade, e de como vemos o mundo, mas sem esquecer de que  a fotografia vem em segundo lugar a simplesmente viver a vida.

11. Não se denomine "street photographer"
Garry Winogrand odiava o termo " fotógrafo de rua " e ele simplesmente chamou a si mesmo de  um fotógrafo - nada mais, nada menos.

Foi Robert Capa quem aconselhou a Henri Cartier -Bresson o seguinte: " Você não deve ter etiqueta de um fotógrafo surrealista, se fizer isso, você não terá uma missão e vai ser como uma planta de estufa .... O seu rótulo deve ser de fotojornalista . "
Além disso, apesar de Henri Cartier -Bresson ter sido o  padrinho da " fotografia de rua " - nunca se referiu a si mesmo como tal.

É claro que nós nos chamamos de "fotógrafos de rua" por uma razão prática, afinal, se alguém lhe perguntar tipo de fotos que você tira, você não dirá que é um fotógrafo de paisagem ou de um fotógrafo de aves , no entanto, pode ser complicado ter que lhes dizer: " Olha, eu gosto de tirar fotos de estranhos na rua,com ou sem permissão", então, fica mais fácil chamar a si mesmo de " fotógrafo de rua ".
No entanto, mesmo dentro da comunidade de fotografia de rua, fotógrafos vêm em várias cores diferentes. Há os que se concentram mais no rosto, outros procuram o " o momento decisivo " alguns o ambiente em que vivem e outros que incidem sobre a busca de situações inusitadas ou sagazes em público.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

As capas de hoje

Observando as capas das revistas enquanto esperava na fila do supermercado me prendi  nas fotos das modelos e artistas. Não existem mais mulheres ou homens feios -nem bonitos- menos ainda agradáveis, todas, sem exceção, representavam rostos e corpos plastificados  sem dobras, rugas, sinais ou pelos. O uso exagerado da edição de imagens passa do bom senso e cria uma estética que não é humana, que não sofre pelo tempo, que não tem peso, nem vida. Quem sabe sirva para vender algo, mas no momento em que vivemos do que é supérfluo sempre há o risco destas tendências escaparem as publicações e se generalizarem em bizarrices como, por exemplo, a  "Barbie Humana ".


Novo Espaço

Como Camafunga é um blog para imagens vou usar este como complemento para fazer comentários pessoais sobre fotografia e ao mesmo tempo compartilhar novidades ou informações referentes a bibliografia, softwares e personagens do meio.